Conceitos de imunonutrição aplicados à nutrição animal

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Imagem de um cachorro grande da raça bloodhound, abraçado em um gato cinza e branco, os dois estão dormindo. A imagem é para ilustrar o post sobre os conceitos de imunonutrição aplicados à nutrição animal.

O termo imunonutrição originou-se de alguns estudos em humanos realizados na década de 1950 e sugere uma ligação entre a desnutrição e a ocorrência de infecções (Shetty, 2010). A partir da década de 1970, esse conceito começou a ser dividido em quatro diretrizes gerais sobre como a nutrição pode afetar a resposta imunológica:

– Desnutrição (especialmente relacionada à proteína-energia) e deficiências de nutrientes.

– A nutrição como fator determinante da capacidade imunológica de recém-nascidos e idosos.

– A influência da obesidade e da ingestão excessiva de nutrientes na imunocompetência do indivíduo.

– Como as interações entre nutrição e imunidade afetam a medicina clínica e a saúde pública (Chandra, 1993).

Nas décadas de 1980 e 1990, outros estudos que investigaram dados de monitoramento populacional durante décadas corroboraram esse conceito. Desde então, a imunonutrição em humanos tem sido investigada em muitos aspectos mais amplos e é considerada uma ciência multifatorial, já que a nutrição está relacionada à digestão e à absorção de nutrientes no trato gastrointestinal, à microbiota, ao sistema imunológico, aos órgãos envolvidos nos processos inflamatórios (e seus efeitos secundários), ao sistema nervoso, à produção de hormônios etc. Esse conceito tem sido compreendido e aplicado à nutrição animal há muito tempo devido aos avanços no conhecimento sobre nutrição e saúde. No entanto, o termo imunonutrição tem sido efetivamente aplicado nos últimos anos.

É essencial entender que, além de ser responsável pela digestão e absorção de nutrientes, o trato gastrointestinal é um órgão crucial para a resposta imunológica. Aproximadamente um quarto da mucosa intestinal é composto por tecido linfoide, e mais de 70% dele é composto por células imunológicas (Wershil e Furuta, 2008). O tecido linfoide associado ao intestino (GALT) é o principal componente do tecido linfoide associado à mucosa (MALT). É também uma importante fonte de células imunológicas que monitora e protege as camadas da mucosa intestinal. O GALT é continuamente exposto a antígenos, microbiota e patógenos da dieta (Dalloul & Lillehoj, 2006). Em seguida, o desenvolvimento e a maturação do sistema imunológico podem ser afetados por fatores externos (ambiente, dieta) e fatores inerentes ao animal (genética, idade).

Esses fatores também afetam a microbiota e a saúde intestinal. A microbiota intestinal tem muitas funções no organismo e desempenha um papel vital na comunicação bidirecional do eixo intestino-cérebro (Cryan & Dinan, 2012). Em outras palavras, o sistema nervoso central (SNC), por meio do eixo hipotálamo-hipófise, pode ser ativado em resposta a fatores de estresse, liberando cortisol (Imagem 1, abaixo). O cortisol afeta as células imunológicas, liberando citocinas pró-inflamatórias, influenciando a permeabilidade intestinal e levando a alterações na microbiota (Landeiro, 2016).

 

Imagem 1. O esquema do eixo microbiota-intestino-cérebro (Verduci et al., 2020).

Além de ter a função de absorver nutrientes, o epitélio intestinal atua como uma barreira física. Se a permeabilidade intestinal estiver prejudicada, os microrganismos e os lipopolissacarídeos (LPS) podem atravessar a lâmina própria, ativando as células imunológicas e liberando citocinas pró-inflamatórias, que afetarão os sistemas nervoso central e entérico (Gareau et al., 2008). Várias alterações fisiológicas podem resultar dessas respostas, incluindo febre, ineficiência metabólica, catabolismo do músculo esquelético e síntese de proteínas de fase aguda (Korver, 2006). Além disso, pode ser observado um impacto na energia e nos nutrientes usados para o crescimento ou a manutenção.

Portanto, a resposta pró-inflamatória causada por qualquer um dos fatores mencionados acima pode resultar em comprometimento da imunocompetência. Os animais devem desenvolver suas habilidades de resposta imune e proteção ao longo da vida, ou seja, essas habilidades são moduladas todos os dias, pois o custo metabólico em relação a uma resposta imune induzida é baixo e afeta diretamente a manutenção da homeostase metabólica.

De acordo com o conceito estabelecido de imunonutrição, os aminoácidos (glutamina, arginina, cisteína, taurina), nucleotídeos, lipídios (ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados, ácidos graxos ômega-3), vitaminas (A, C e E) e minerais (zinco e selênio) (McCowen & Bistrian, 2003) são classificados como imunonutrientes. Algumas substâncias imunomoduladoras não são absorvidas como nutrientes, mas podem modificar direta ou indiretamente a resposta do sistema imunológico, como prebióticos, probióticos e compostos fitogênicos.

Os β-glucanos estão entre os imunonutrientes mais estudados na literatura e são derivados da parede celular da levedura (β-1,3 e 1,6-glucanos). Seu modo de ação consiste no reconhecimento de células fagocíticas ou apresentadoras de antígenos (APC) na lâmina própria, logo abaixo das células epiteliais intestinais. Essas células têm um receptor do tipo toll em sua superfície, que reconhece padrões microbianos e induz uma resposta imune inata imediata. Após essa ativação e fagocitose, o fagócito apresenta um fragmento de antígeno processado e estimula uma resposta em cadeia (Imagem 2, abaixo). As citocinas pró-inflamatórias são liberadas e ativam a produção, a liberação e a mobilização de células fagocíticas adicionais e a proliferação de células caliciformes (produção de muco), entre outros efeitos. O reconhecimento de patógenos e antígenos pelo sistema imune inato desencadeia defesas inatas imediatas e a ativação de uma resposta imune adaptativa (Lee & Iwasaki, 2007).

Imagem 2. Esquema do modo de ação dos β-glucanos.

A ativação do sistema imunológico inato pelos β-glucanos é conhecida como imunomodulação, pois não há danos ao epitélio intestinal nem invasão das células epiteliais. O resultado é colocar as células do sistema imunológico inato em alerta e preparar o animal para enfrentar os desafios do dia a dia com baixos custos metabólicos. Esse é um fator fundamental nas dietas para:

– Animais jovens (filhotes) nos quais os órgãos imunológicos estão em desenvolvimento e a resposta imunológica está em maturação. A vacinação nesse período é um grande desafio, pois é essencial ter sucesso diante da imaturidade imunológica e dos anticorpos maternos (Klein et al., 2014). Durante o primeiro ano de idade, as alterações na quantidade e na proporção de leucócitos circulantes afetarão a imunocompetência geral. Também está relacionado a fatores genéticos de determinação da raça (Day, 2007).

– Dietas especiais para animais com problemas intestinais ou doenças que possam desequilibrar a microbiota intestinal ou causar depressão na resposta imunológica (problemas crônicos).

– Dietas para idosos devido à suscetibilidade do sistema imunológico em idades avançadas.

– Dietas gerais para adultos para suportar os desafios diários.

Esses benefícios podem ser medidos pela quantificação de células apresentadoras de antígenos que circulam no sangue, linfócitos T auxiliares e linfócitos T citotóxicos, imunoglobulinas (Bonato et al., 2020), títulos de vacinas e outros. Assim, os efeitos sobre a manutenção da permeabilidade intestinal também podem ser observados, pois, como mencionado anteriormente, há uma estreita relação entre a microbiota, a permeabilidade intestinal e o sistema imunológico.

Dada a complexidade dos fatores associados, ainda há muito a ser estudado sobre o eixo microbiota-intestino-cérebro. No entanto, foi comprovado que o uso de imunonutrientes, individualmente ou associados, promove benefícios para a saúde, o bem-estar e o crescimento dos animais. Portanto, é fundamental entender completamente seu modo de ação para permitir a aplicação correta em cada fase e tipo de dieta.

Referências

• Bonato, M.A; Borges, L.L.; Ingberman, M.; Fávaro Jr. C.; Mesa, D.; Caron, L.F.; Beirão, B.C.B. Effects of the yeast cell wall on immunity, microbiota, and intestinal integrity of Salmonella-infected broilers. Journal of Applied Poultry Research, 29:545-558, 2020.
• Chandra, R. Nutrition and the immune system. Proceedings of the Nutrition Society, 52(1): 77-84, 1993.
• Cryan, J.F.; Dinan, T.G. Mind-altering microorganisms: the impact of the gut microbiota on brain and behavior. Nature Reviews Neuroscience, 13(10): 701–712, 2012.
• Dalloul, R.A.; Lillihoj, H.S. Poultry coccidiosis: recent developments in control measures and vaccine development.  Expert Rev. Vaccines, v. 5, p.143-163, 2006.
• Day, M.J. Immune System Development in the Dog and Cat. Journal of Comparative Pathology, v. July,2007, p. S10-S15, 2007.
• Gareau, M.G.; Silva, M.A.; Perdue, M.H. Pathophysiological mechanisms of stress-induced intestinal damage. Current Molecular Medicine, 8(4): 274–281, 2008.
• Klein, R.P; Lourenço, M.L.G; Moutinho, F.Q.; Takahira, R.K; Lopes, R.S; Martins, R.R; Machado, L.P.; Silveira, V.F.; Ferreira, H. Imunidade celular em caninos neonatos – do nascimento ao 45° dia de idade. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.66, n.3, p.745-756, 2014.
• Korver, D.R. Overview of the Immune Dynamics of the Digestive System. Journal of Applied Poultry Research, 15:123–135, 2006.
• Landeiro, J.A.V.R. Impacto da microbiota intestinal na saúde mental. Tese (Doutorado em Ciências Farmacêuticas) – Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Almada, Portugal, 81p, 2016.
• Lee, H. K.; A. Iwasaki. Innate control of adaptive immunity: dendritic cells and beyond. Semin. Immunol., n. 19, p.48-55, 2007.
• McCowen K.C; Bistrian B.R. Immunonutrition: problematic or problem solving? The American Journal of Clinical Nutrition, 77(4):764–70, 2003.
• Shetty, P. Nutrition, immunity e infection. Paperback: 224 pages; Publisher: CABI Publishing; 1 edition 2010.
• Verduci, E.; Carbone, M.T; Borghi, E.; Ottaviano, E.; Burlina, A.; Biasucci, G. Nutrition, Microbiota and Role of Gut-Brain Axis in Subjects with Phenylketonuria (PKU): A Review. Nutrients 2020, 12, 3319, 2020.
• Wershil B.K.; Furuta G.T. Gastrointestinal mucosal immunity. Journal of Allergy and Clinical Immunology, n. 121, p. 380-383, 2008.

Melina Bonato, Ph.D. – Gerente Técnico e de P&D Global, ICC Animal Nutrition
Céline Villart – Supervisor Técnico Europeu, ICC Animal Nutrition

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Publicado em 04 julho de 2024

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